a)
Reminiscências
Sempre
me senti diferente dos demais seres humanos. Não que eu fosse melhor ou pior do
que os outros. O fato é que, desde a minha infância, sempre tive problemas de
relacionamento com colegas independentemente do sexo. Curiosamente, a maioria
dos meus professores me considerava um amigo! Sempre mantive um bom
relacionamento com os meus professores e com pessoas mais experientes ou
maduras. Infelizmente, nunca consegui entender esta minha predileção pelo
conteúdo em detrimento da forma. Esse comportamento se repetiu na época da
Universidade e, até hoje, continuo alimentando minha rede de relacionamentos
com pessoas ricas em conhecimento e sabedoria... Amor! Fiquei tão preocupado em
aprender a teoria que esqueci a prática!
Não me considero uma
pessoa totalmente fechada. Meu coração não é de pedra! Sinceramente, creio que
a minha família e eu demoramos tempo demais para abrir os olhos diante do
problema que estava embaixo dos nossos narizes. Eu deveria ter sido encaminhado
a um tratamento psicológico desde muito cedo. Claro que não culpo minha
família! Quem sou eu para julgar e condenar alguém?
Sabe quando se junta um
grupo de amigos para um churrasco e somente um dos amigos passa mal com a
comida. Creio que foi isso que ocorreu comigo.
Existem pesquisas sendo
realizadas pela ciência que tentam associar doenças mentais e desvios do
comportamento à predisposição genética.
Tenho três irmãos e acredito que fui o bilhete
premiado ou a bola da vez!
Predisposição genética não significa certeza absoluta, mas a probabilidade não
foi favorável ao meu desenvolvimento emocional.
Não estou dizendo, com
isso, que o fator genético seja o único responsável por tudo que acontece em
nossas vidas. Não acredito em destino!
A
genética não determina o comportamento!
O nosso
DNA possibilita e favorece determinados tipos de comportamento, mas não
determina nada. Os genes não restringem a liberdade humana, eles a
possibilitam, diz Matt Ridley, autor do livro O Que Nos Faz Humanos, em um
artigo para a revista
New Scientist.
A
genética não é um destino, não determina o que você vai ser. Ela oferece
predisposições. Todos estão sujeitos a influências ambientais que podem, sim,
mudar a expressão dos genes e fazer com que eles simplesmente não se
manifestem, diz André Ramos, diretor do Laboratório de Genética do
Comportamento da Universidade Federal de Santa Catarina.
Traços de
personalidade são ideias, conceitos culturais: dependem dos olhos de outros e
da cultura de um lugar e de uma época para aparecerem e ganharem um nome. O que
é inteligência, pedofilia, má educação ou timidez no Brasil pode ganhar nomes
bem diferentes no Japão, por exemplo. Por isso, não dá para encontrar a
personalidade pura no DNA.
Mas
a nossa herança genética pode, sim, influenciar o funcionamento do corpo, que,
numa cultura ou em outra, resulta em comportamentos diferentes. Ao nascer, cada
ser humano carrega uma composição de 30 mil a 35 mil genes, formações de DNA
que ficam ali dentro dos nossos 23 pares de cromossomos. As principais
descobertas dos geneticistas do comportamento relacionam os genes à regulação
de mecanismos fisiológicos que mudam o comportamento, como impulsividade, vício
de determinadas substâncias e memorização. 21
Uma
pesquisa do Instituto de Psiquiatria de Londres, divulgada no ano passado,
mostra como o comportamento pode ser afetado por uma interação entre genes e
ambiente. Ela teve acesso a um estudo que acompanha desde 1972 a saúde física e
mental de mais de 1000 pessoas desde o nascimento. Descobriu que homens
maltratados na infância tinham uma probabilidade 10 vezes maior que os demais
de cometer crimes violentos desde que, além de terem sofrido maus-tratos,
possuíssem pequena atividade da enzima MAOA do cromossomo X, que permite níveis
elevados de serotonina. No total, 85% dos homens maltratados na infância e cuja
MAOA é pouco ativa exibiram comportamento violento ao longo da vida.
Entre
os que possuíam a forma muito ativa, os maus-tratos não aumentaram o
comportamento violento. Outro exemplo é o gene FOXP2, no cromossomo 7, isolado
recentemente pelo Centro de Genética Humana da Fundação Wellcome, no Reino
Unido. Mutações nesse gene causam deficiências específicas de linguagem, ele
parece ser necessário para o desenvolvimento da fala. Ele permite que a mente
humana absorva, a partir das experiências vividas na 1ª infância, o aprendizado
necessário para falar, afirma Matt Ridley.
Com
problemas de fala, é mais fácil para a criança desenvolver traços como a
timidez. A composição genética tem ainda efeitos indiretos, que acabam
influenciando até o comportamento dos pais. É que, por mais que digam o
contrário, os pais variam a forma de tratamento conforme o filho. Crianças
alegres, que sorriem e olham nos olhos dos pais, costumam deixá-los gratos e
mais carinhosos.
Segundo
uma pesquisa de 1994 feita pela Universidade da Pensilvânia, alguns autistas
que não costumam olhar nos olhos ou expressar emoções têm, por isso, pais
indiferentes e um pouco frios. Outro exemplo é a beleza das crianças. Se a
composição genética faz uma criança ser considerada bonita, ela terá mais
chances de ser o centro da atenção dos pais. E isso influenciará sua
personalidade. 22
Raul Seixas, em uma de
suas músicas, diz: “Falou que Deus não
quis dá asa à cobra, seria um bicho ameaçador. Mas tem uma peste delas avoando,
que o diabo fez enquanto Deus largou!” Esse comentário contido na música
mostra-nos como o ser humano alimenta o pecado e a doença.
Na
minha infância e adolescência dei asas à solidão.
Na escola todos os trabalhos individuais eram comemorados como um Título
Mundial da Seleção Brasileira de Futebol. Quando todos os meus colegas me
convidavam para ir a uma festa, preferia ficar numa casa de jogos eletrônicos,
jogando qualquer coisa que me desconectasse da realidade. Foi na minha
adolescência que desenvolvi minhas primeiras teorias acerca das ferramentas
chamadas por mim de isolantes sociais.
O Computador, o Vídeo Game, o Celular, a Internet, as Redes “Sociais”, são
ferramentas que dão uma falsa impressão de conectividade. A experiência de pele é sempre mais
enriquecedora. Não estou condenando a tecnologia, mas creio que a diferença
entre utilidade e futilidade reside no nível de equilíbrio existente na
utilização de tais ferramentas tecnológicas. Além disso, temos que levar em
consideração que a solidão é uma
ideia muitas vezes distante da realidade. Você pode estar cercado de pessoas
por todos os lados, no entanto, considerar-se uma ilha solitária. Uma gota
d’água no oceano também pode servir de metáfora para a solidão.
A
solidão é um dos sentimentos (fatores ambientais) que causam a
depressão. Tanto a solidão quanto a
depressão são como pássaros que fazem ninho em nossas cabeças, somos nós que
decidimos o tamanho da ninhada.
Possuo
um Notebook (Computador) comprado com muito sacrifício. Tudo em minha vida foi
conquistado com muito sacrifício. Cada gota de suor derramado ao longo dos meus
vinte poucos anos de luta é
diretamente proporcional ao sentimento de satisfação proporcionado pela
aquisição dos materialismos tão necessários nos dias de hoje. Jesus disse: “O homem não vive só de pão, mas de toda
Palavra proferida pela boca de Deus” 23.
Creio que, se mal utilizado, todo materialismo tem como principal função
alimentar o sentimento de solidão.
Tudo é uma questão de hierarquia! O
importante é aprender a atribuir valores aos bens materiais e imateriais
presentes em nossas vidas. Um exemplo maravilhoso de hierarquia é o mandamento:
“Amar a Deus sobre todas as coisas, e ao
próximo como a si mesmo” 24.
Com relação ao Notebook, foi fácil manter o controle, pois na hierarquia da
minha vida a prioridade sempre foi para a solidão.
Perder sono para acessar a Internet é uma realidade distante da minha rotina
diária e, muito raramente, deixo a comida esfriar na mesa por motivos
virtuais... Não perco mais o meu tempo em conversinhas bobas nas Redes
“Sociais”... Manter-me desconectado do mundo é uma forma de dizer ao mundo que
me esqueça... Para sempre me esqueça... Mais nem sempre foi assim...
A
Tecnologia da Informação (TI) muito acrescentou em minha vida. Adquiri
conhecimentos que me transformaram num ser humano melhor?! Creio que o uso
consciente da tecnologia é um caminho bastante enriquecedor, mas também pode se
tornar uma armadilha social muito perigosa, já que na Internet a exposição é
quase inevitável.
Os
usuários da Internet acham que conhecem todas as pessoas das suas listas de amigos virtuais. Infelizmente, uma foto
não revela nada! Quem sabe o que está por traz de um belo sorriso virtual? Amor
virtual é a maior “babaquice” que inventaram nas últimas décadas!
Foi
na Internet onde experimentei os limites extremos da bipolaridade. No
desequilíbrio da balança emocional o meu perfil nas Redes “Sociais” oscilou
monstruosamente. Num determinado momento era um Dom Juan e, no instante
seguinte, me tornava um Quasímodo.
Claro
que agradeço muito à tecnologia pelo fato de ter me proporcionado momentos e
encontros especiais em minha vida. Nem todas as minhas amizades virtuais se
contentaram com os limites impostos pelo mundo virtual. Graças às maravilhas da
Tecnologia da Informação tive a oportunidade de conhecer algumas mentes brilhantes e dispostas a sacrificar sua
fortaleza virtual em nome de uma
amizade incipiente. Milagrosamente, algumas amizades verdadeiras construídas
com base no mundo virtual
tornaram-se as pedras angulares da
minha rede de relacionamentos no mundo
real.
Curiosamente, meu psicólogo aconselhou, numa das nossas
primeiras sessões, que eu criasse um Blog,
onde seriam postados pensamentos, reflexões e conteúdos referentes à bipolaridade.
Foi daí que surgiu a ideia de escrever um livro! Também foi na Internet onde
encontrei as perguntas e respostas que procurava acerca do transtorno que
tenho.
Às
vezes é necessário perder para ganhar! Aliás, na Oração de
São Francisco observamos a seguinte passagem: “Pois é morrendo que se vive para a vida eterna”. Contudo, não
existe morte santa quando ela é desejada. A morte santa é fruto de muita luta:
luta para viver, amar, sofrer, sorrir e chorar. É por isso que eu só tenho a
agradecer por ser o bilhete premiado ou a bola da vez. Talvez eu não seja nada
disso! Mas tenho a certeza que cada um de nós nasceu para ser vitorioso. Não existe derrota na
probabilidade da vida! Sabe qual é a chance de um espermatozoide fecundar um
óvulo? A vida é um milagre! Todos
são ganhadores na loteria da vida!
Somos
do tamanho dos nossos sonhos e desejamos nunca ter pesadelos, mas são nos
pesadelos que devemos nos mostrar fortes e destemidos. Infelizmente, existem
alguns que transformam o medo em
algo muito maior. Não somos felizes por
medo da infelicidade! Não amamos por medo do abandono! Não investimos nosso
suado dinheiro em cultura com medo de faltar dinheiro para a comida. Não lemos
livros porque temos medo de “perder” o nosso precioso tempo com algo tão
“supérfluo”. A nossa ausência às missas é explicada pelo medo que temos de
ouvir a verdade!
Tenho que mudar! Talvez tenha que apanhar um pouco mais.
A medida certa nunca chega. Parece até coisa de sadomasoquista! Até admito ser
um pouco sádico! Mas a verdade é que não gosto de sofrer. Muitas vezes, não
consigo encontrar forças dentro de mim para enfrentar o medo! A vida é doce, mas não é mole! Nunca
aprendi a gostar de açúcar, meu chocolate é meio amargo e o adoçante que uso
para adoçar o café só o torna mais artificial.
Conheço
pessoas que são incapazes de sentir o calor de um abraço, mas isso não os
impedem de abraçar. Infelizmente, não tenho certeza se a
felicidade foi feita para mim ou se eu fui feito para amar. Apesar disso,
não posso me furtar o direito de ser feliz... O abraço não necessariamente ha
de vir dos outros... O que torna uma pessoa feliz são os sentimentos refletidos
no espelho do quarto... A mudança começa de dentro para fora... O movimento
contrário é consequência daquilo que se passa dentro de cada um de nós. Amar e
se sentir amado? Sentir-se amado e amar!
O caráter de uma pessoa é definido pelo que ela faz quando está sozinha,
pois quando estamos acompanhados é comum usarmos máscaras. Solidão... Doce
solidão! A minha máscara já caiu a muitíssimo tempo e o minha vida é um livro
aberto... Mais um motivo para promover uma mudança interior que proporcione uma
melhor leitura da minha vida.
Os antigos gregos acreditavam na existência de três
formas principais de amor: amor ágape
(amor de Deus), amor filia (amor fraterno) e amor eros (amor entre homem e
mulher).
Um grande amigo disse uma vez que os grandes
problemas do amor eros (amor entre homem e mulher) são os seguintes: “Primeiro devemos arrancar do peito o
sentimento de medo e preencher o lugar vazio com amor; logo em seguida, temos
que sentir para sermos sentidos, pois o amor é uma via de mão-dupla; depois
você precisa abrir a boca e falar com a simplicidade de uma criança”.
b)
CASTIDADE, “POBREZA” e OBEDIÊNCIA
Existe
uma música de Zé Ramalho, “Avôhai”, que diz: “Ele tem pares de olhos tão profundos que amargam as pessoas que fitar,
mas que bebem sua vida, sua alma, na altura que eu mandar. São os olhos, são as
asas, cabelos de Avôhai”. Algumas mulheres gostam de homens simples, que não complicam a vida
delas. Como tenho uma mente muito complexa e/ou repleta de complexos, elas
simplesmente fogem de mim ou se assustam com as minhas parrésias 25.
Contudo, o principal motivo alegado para aderir ao voto de castidade é o receio de causar sofrimento às
mulheres da minha vida e esse sentimento engessou minha capacidade latente de
reproduzir o amor que guardo em meu peito.
No
filme “O Aviador”, Leonardo DiCaprio encarna uma das figuras mais controversas
do século XX, Howard Hughes. Esse filme retrata bem o temor que passa pela
mente de uma pessoa que está à beira da insanidade. Em um determinado momento a
personagem de Leonardo DiCaprio revela a uma de suas amantes o quanto tem medo
de enlouquecer: “Enlouquecer seria como um voo às cegas!” A amante responde: “Querido,
você me ensinou a voar. É só deixar que eu assumo o controle”. Agora me
digam: O que aconteceu quando a loucura tomou conta da mente de Howard Hughes?
Não havia mais amor! A única coisa que havia era muito dinheiro! O jovem Howard
estava voando às cegas e não se preocupava com os passageiros e a tripulação do
avião.
A
minha adesão ao voto de “pobreza” é
fácil de explicar! Quem tem bipolaridade possui um mau hábito de gastar até o
que não se tem. Gastar muito dinheiro
para comprar coisas desnecessárias é um perigo quando se está fora de controle.
A pessoa em crise bipolar não tem controle sobre a matéria de um modo geral,
costuma consumir e consumir-se por impulso, e gosta de fazer isso. Então nada
mais lógico do que aderir ao voto de
“pobreza”. Considero incrível uma citação contida numa das músicas da
roqueira baiana Pitty: “Eu possuo muitas
coisas, mais nada disso me possui”.
No
caso do voto de obediência, sou (ou
fui) um funcionário público. Contudo, a obediência que mais me agrada o coração
e a mente não é a proveniente da hierarquia no trabalho, mas a que surge do
temor (respeito) a Deus.
c)
Inteligência Emocional?
O
Mercado de Trabalho atualmente está focado em dois termos que juntos dão origem
a um quase utópico funcionário ideal: Quociente de Inteligência (QI) e
Quociente Emocional (QE).
Cada vez mais o Mercado exige dos funcionários a
capacidade de trabalhar em equipe e saber lidar com os mais variados tipos de
situações envolvendo um público alvo diversificado. Dentro daquilo que o
Mercado de Trabalho considera como Inteligência Emocional existe um grupo de
competências emocionais e relacionais que devem ser observadas pelos
funcionários de uma empresa, e que podem determinar o êxito de uma Organização.
Não esquecendo que tais conceitos também são aplicáveis a núcleos familiares e
a instituições sem fins lucrativos. São consideradas competências emocionais: autoconhecimento emocional, controle
emocional, automotivação, empatia, relacionamentos pessoais.
“Pessoas com inteligência emocional
bem desenvolvida tem extrema facilidade de integração e de relacionamento. São
comunicativas e criativas, além de possuírem um forte sentido de
responsabilidade e uma capacidade notável de adaptação à mudança”.
26
É claro que não existem métodos científicos
comprovadamente irrefutáveis para medição e/ou avaliação do Quociente seja ele
Intelectual e/ou Emocional e, justamente por isso, não podemos e nem devemos
considerar um portador de bipolaridade como integrante de uma categoria
inferior de ser humano. A pessoa que tem Transtorno Bipolar não é um analfabeto emocional! Contudo, a pessoa
afetada pelo Transtorno Afetivo Bipolar deve procurar tratamento com
profissionais especializados, visando alcançar as competências necessárias ao
bom desenvolvimento emocional.
Concluo
este capítulo com um apelo: “Por favor,
não tratemos os portadores de bipolaridade como pobres coitados. Os bipolares
são tão capazes quanto às pessoas ditas
normais”.
_________________________________________________
21 Texto em itálico retirado do site:
22 Texto em itálico retirado do site:
23
Mt
4, 4
24 Mt 22, 34-40
25 Parrésia é uma palavra de origem grega frequentemente
usada para descrever certos diálogos atribuídos a Jesus Cristo no Novo Testamento.
26 O texto em itálico foi
retirado do site:
http://www.futuretrends.pt/fotos/editor2/Inteligencia_Emocional.pdf
FONTE: ARAÚJO, Denio Medeiros de; SIMPLESMENTE BIPOLAR; 1º
Edição Digital, Caicó: Editora Blogger, 2016.
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